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Ao domingo com...

Textoescrito a convite de http://otempoentreosmeuslivros.blogspot.pt/

 

Era uma vez…
É assim que começo a maior parte das minhas histórias. Essa simples expressão parece ter a capacidade de nos transportar para outras realidades, uma outra dimensão, onde a fantasia se cruza com a realidade, para nos dar pequenas e grandes lições de vida.
Suponho que pudesse começar assim também a minha própria história, pois o que é a vida senão uma folha de papel onde, entre sonhos e desejos, vamos construindo a nossa existência?!

A minha existência é curta, porém longa, composta de uma dualidade que me define. Sou gémeos de signo astrológico e, quer acredite ou não na influência dos astros na minha vida, há características às quais não posso fugir – a criatividade, o desejo de comunicar e a vontade de conhecer novos lugares, sejam estes reais ou inventados.Nasci naquela que considero a mais bela cidade do mundo, o Porto e cresci num ambiente urbano, mas fortemente pontuado de elementos rurais, que enriqueceram a minha infância e adolescência.

Fui daquelas crianças que teve o privilégio de subir às árvores, esfolar os joelhos a andar de bicicleta, brincar em casinhas de faz de conta, com bolos de lama e arroz de bagos de urze.As letras sempre me acompanharam. Digo sempre, pois não recordo concretamente o momento em que ler se tornou uma paixão e escrever uma vocação. Aqui e ali, sempre fui escrevinhando qualquer coisa, um ou outro poema, uma ou outra história de aventura, a maior parte delas, certamente, inacabadas e de pobre qualidade criativa…

Guardo ainda as cartas de amor (e desamor) juvenil que recebi, como resposta às tantas mais que escrevi. Sempre gostei de receber e escrever cartas. Quanto mais longas melhor. O cheiro do papel, a letra inicialmente cuidada e um pouco rebuscada que para o final mais se assemelhava a letra de médico, os sonhos e sentimentos projectados numa simples folha de papel…pedaços de mim, da minha história, que nada poderia substituir.A acompanhá-las, os poemas. Essas melodias escritas, que escondem nas entrelinhas motivos e emoções que nós próprios desconhecemos ter. Tristes, complexos, mais ou menos intensos… foi por aí que comecei a escrever mais a sério. Formas breves e momentâneas que não exigem grande compromisso comigo ou com os outros.

Mas só muito recentemente assumi verdadeiramente a minha relação com a escrita. Cansada das temáticas depressivas que povoaram a minha adolescência, mergulhei num mundo de magia, sonhos e fantasia. As pessoas cometem o equívoco de pensar que escrevo para crianças, mas na verdade, escrevo para mim. Quando era criança não precisava que me lembrassem como o mundo e a vida são mágicos, como sonhar é fundamental para construir a felicidade que tanto buscamos. Por isso, ao contrário do que a maioria pensa, escrevo sobretudo para adultos, pois sei que são eles quem mais precisam de ouvir as mensagens que transmito. Porque sei que são eles quem mais precisam de acreditar no sonho e na magia, quem mais precisam de histórias positivas na sua vida.

Procuro, assim, que as minhas histórias sejam fontes de prazer para quem as lê, independentemente da idade, mas maior fonte de prazer, são para mim, porque sou a primeira a povoar os mundos que crio, a primeira a viver as aventuras que narro. 
Mas espero que nas minhas histórias não haja apenas prazer na leitura, espero transmitir mensagens positivas, capazes de educar para aqueles valores com os quais eu tive o privilégio de crescer, mas que vejo, a cada dia, desaparecer um pouco mais da sociedade em que vivo…
Agora, assumi completamente o compromisso, após o primeiro livro publicado, o trabalho tem sido constante e regular, recompensado aqui e além nas sessões de apresentação que sou convidada a fazer, nos prémios que vão acontecendo, nos contactos para novas edições, mas acima de tudo pelas críticas que me vão chegando.
E assim, vivo e escrevo com o meu próprio sonho (ainda pouco concreto e definido) de mudar o mundo com histórias de encantar.

Era uma vez uma folha de papel. Branca, imaculada, sem um sequer risco ou mancha.
Uma folha de papel perfeitamente normal, de um tamanho bastante standard, que não tinha absolutamente nada de extraordinario. Era uma folha vulgar, corriqueira, sem qualquer qualidade especial.
Mas um dia, essa folha de papel tornou-se procurada.
Havia um certo escritor que, num rompante de inspiração procurou, procurou, mas não encontrou nenhuma folha de papel à mão.
Na sua mente, as ideias fluiam furiosamente, sem que as conseguisse travar e, na sua consciéncia estava certo de que a sua memoria não seria suficiente para as guardar.
Olhou em seu redor tentando inventar outro suporte de escrita no qual se pudesse socorrer, mas naquela casa só existiam livros e papeis escritos, que não podia profanar. Lembrou-se de recorrer àqueles aparelhos electrónicos que lhe tinham trazido para casa, mas a sua velocidade de escrita era tão fraca que era certo que isso não ia resultar.
Tentou, então segurar as ideias, o máximo que pode e saiu para a rua a correr. A papelaria não era suficientemente perto para o seu imenso desejo de escrever e, ainda por cima, tinha outras pessoas à sua frente por atender.
Fez a ûnica coisa que podia fazer e a que menos podia desejar e esperou a sua vez.
Quando esta chegou, quase não deixou a senhora falar e, sem mais demoras pediu folhas de papel, brancas, do tipo perfeitamente vulgar. Apenas importava que fossem em quantidade, porque na sua mente muito tinha à espera de ser contado.
E de novo correu para casa, para dar uso à folha de papel, onde registou as suas mais belas ideias.
E a folha de papel, branca e vulgar tornou-se assim o bem mais raro e especial que alguém poderia desejar..

Simplicidade

Esta noite tive um sonho

 

 

 

 

 

Ontem à noite adormeci. Deitei a minha cabeça na almofada, do mesmo modo rotineiro e impensado que faço todas as noites. Olhei as paredes do meu quarto, com a mesma decoração insípida e imutável de há uma década e apaguei a luz, num gesto automático, passageiro e desprovido de qualquer emoção.

Ontem à noite adormeci. A minha vida continuava da mesma forma, exactamente como quando acordei nessa manhã. Os meus passos ao longo desse dia longo e pesado, seguiram o mesmo caminho que todos os dias percorrem. O meu trabalho desinteressante e pouco desafiador foi realizado com o mesmo cuidado profissional e desapaixonado com que sempre é feito. As minhas tarefas diárias desempenhadas com o brio de quem nada mais tem para mostrar do que um serviço bem feito.

Ontem adormeci. O mundo estava igual, repleto das mesmas injustiças de sempre, com fomes e guerras a dizimarem velhos, novos e crianças, sem qualquer critério de selecção. A doença, a cada esquina, vai afectando cada vez mais conhecidos, até que um dia baterá também à minha porta…É inevitável! É assim o mundo hoje em dia. Um lugar um pouco mais triste, corrompido, vazio de significado, cheio de beleza e oportunidades.

Ontem à noite adormeci, com aquela dorzinha pontiaguda no fundo do pescoço que me dificultou a chegada do sono mas, ainda assim, adormeci.

Um sono leve e agitado que, com o decorrer das horas se tornou profundo e apaziguador.

E então sonhei. De uma forma como nunca antes tinha sonhado. Um sonho de formas perfeitamente definidas e cores vibrantes. Com sons familiares e outros distantes, mas bem claros e audíveis.

E, no meu sonho, a minha vida é tão leve e despreocupada, que sou capaz de flutuar. Vejo o meu corpo planar no ar, elevando-se do chão lentamente e sou capaz de voar, voar como só os pássaros, as fadas e as bruxas conseguem fazer.

Ao voar, vejo um mundo como nunca vi. Campos cobertos de milhões de pequenas flores que explodem numa mancha de amarelo e lilás, como se da tela de um artista se tratasse. Um artista genial que conjuga perfeitamente as tonalidades, as sombras e as luzes e as proporções, para nos apresentar uma obra de cortar a respiração.

Esta noite tive um sonho…mas não foi um sonho qualquer, não foi um sonho vulgar, desses que temos todas as noites. Este foi O sonho, aquele sonho que manifesta, a dormir, tudo o que sonhamos acordados.

No meu sonho viajei por lugares longínquos, sítios onde nunca tinha estado. Paisagens exuberantes, exóticas, mil destinos de sono, reunidos num só…

No alto de uma montanha vi uma criança. Sentada, alegremente, pintava o mundo, conforme o via, numa folha de papel. Uma folha de papel branco, onde cabem todos os sonhos do mundo.

Mas a criança estava sozinha e senti pena, pois uma criança deve ter amigos com que brincar. E logo outras crianças começaram a aparecer. Corriam pela montanha, chegando de todas as direcções. Louras ou morenas, brancas, negras ou amarelas, crianças de todos os cantos do mundo transportando, nos seus corações, todos os sonhos do mundo.

Ao chegarem ao topo da montanha, encontrando a outra criança que pintava, uniram as suas mãos numa grande roda, cantando canções em diferentes línguas, que eu não entendia, mas que para todas eram familiares.

Neste jogo de dança de roda, as crianças foram crescendo e tornaram-se adultos.

“Vão separar-se, agora!”, pensei. E assim aconteceu. Todos largaram as mãos uns dos outros, mas apenas para se sentarem, tomando cada um seu lugar na grande roda. Todos começaram, então, a desenhar, cada qual na sua grande folha de papel branco, colorindo-a com as cores dos próprios sonhos.

Estas não eram folhas de papel normal, como aquela onde pintava a primeira criança. Eram folhas brancas, sim, mas muito grandes…tão grandes que se tornava difícil segurá-las nas mãos e, por isso, os adultos iam pintando ao redor dela.

Ao terminar, juntaram as suas folhas, tornando-as uma só, à medida que compunham este enorme quadro comum, comecei a vislumbrar a imagem do mundo dos seus sonhos.

Um mundo colorido, sem sombras nem negrumes, harmonioso e tranquilo, mas ao mesmo tempo alegre e vibrante. Um mundo em que todas as formas e cores se conjugam, da mesma forma como anteriormente tinha visto no campo de flores.

Com esta imagem de cor prossegui o meu caminho, planando sobre montanhas e vales, florestas e rios, até chegar perto do mar.

Vi-me então, numa belíssima praia, de areias brancas e finas, como se de pó de pérola fosse formada e de águas cristalinas, de um azul-turquesa intenso.

Por entre o nevoeiro, o sol ia despontando, timidamente, iluminando aqui e além pequenos trechos de mar e praia, num jogo de luzes e sombras que, de tempos a tempos transformavam a paisagem.

Na infinitude do mar, entre o nevoeiro, reconheci a forma distante e pouco distinta de um barco, um veleiro imponente que repousava tranquilamente nas águas serenas do oceano, balançando ao sabor das ondas, como numa história de embalar.

Dentro desse veleiro, não sei que histórias se escondiam, que rostos habitavam, mas esta embarcação transportava claramente sonhos. Não sei como o podia adivinhar, mas dentro de mim essa certeza ecoava, tal como desejo de subir a bordo e partir naquele oceano infinito.

E assim o fiz. Naveguei por mares desconhecidos, vencendo vagas e medos, porque nos sonhos não há lugar para o medo… parti para parte incerta, mas com um destino perfeitamente definido…

No meio do oceano pude contemplar a minha solidão. Afinal, naquele veleiro não habitava mais ninguém senão eu e os meus próprios sonhos.

E senti-me livre. Uma liberdade impossível de definir, como só sente uma ave que cruza os céus ou um golfinho atravessando o mar.

Na minha solidão pude finalmente ouvir o silêncio que habita em mim. O silêncio de melodias de paz, serenidade e contentamento.

Respiro fundo e os pulmões enchem-se de maresia e a alma de felicidade.

Ao longe ouço o som das gaivotas, o sol queima-me a face. Fecho os olhos para saborear a solidão, o silêncio, a liberdade.

Imersa em mim, adormeço no meu próprio sonho. Um sono calmo, embalado pelo ondular das águas serenas do mar.

E, dessa forma, a noite chegou ao fim…Acordo, mas acordada continuo a sonhar.

Porque afinal, de que matéria são feitos os sonhos?! Os sonhos, esses que ninguém pode controlar…

E começo um novo dia, com a consciência de que esta noite tive um sonho…um sonho no qual o mundo era uno e colorido e a minha mente livre de amarras…um sonho, que acordada, me dá esperança para continuar a sonhar!

 

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